A 18 de maio de 1980, há precisamente 40 anos, Ian Curtis era
encontrado sem vida, enforcado na cozinha, quando tinha apenas 23 anos.
Ele foi o lendário vocalista do quarteto de Manchester, Joy Division, e o
génio que empurrou o rock muito para lá do punk, para uma dimensão
dramática e sagrada.
Em baixo, contamos a vida de Ian Curtis em dez canções dos Joy Division.
'Warsaw' - do EP de 1978, "An Ideal for Living"
Os Joy Division começaram como uma banda punk de nome Warsaw. Quando o
baterista Stephen Morris telefona para responder ao anúncio da banda,
esperava alguém mais abrutalhado, mas a pessoa que lhe atende tem um
modo de falar surpreendentemente cordial. Ele era Ian Curtis. Depois de
vários bateristas que não se integraram, Stephen Morris torna-se no
quarto membro que faltava, que se junta ao guitarrista Bernard Sumner,
ao baixista Peter Hook e, claro, ao vocalista Ian Curtis. A banda
escolhe depois outro nome bem mais sonoro: Joy Division. Mas é uma opção
arriscada: Joy Division era o nome do sistema de bordéis utilizados
pelos nazis. A própria banda brinca outra vez com o fogo e volta a usar o
nazismo para provocar quando faz a capa do EP de estreia "An Ideal for
Living", com uma imagem da Juventude Hitleriana. E o som sai roufenho. A
edição de autor tinha sido paga por Ian Curtis, através de um
empréstimo do banco. Mas nas várias canções do EP, como 'Warsaw', já se
adivinhava uma complexidade demasiado grande para os Joy Division
caberem apenas no punk.
Durante seis meses sem nenhum concerto, a banda foi ensaiando duas vezes
semana, até conseguir um som completamente sólido que se tornaria único
durante o boicote ao vivo na cidade Manchester. As canções também não
paravam de nascer. Nesse processo de auto-descoberta sobre o que era a
banda, há um episódio nos ensaios que ajudou a definir o som dos Joy
Division: Peter Hook estava a ter um problema com a amplificação do
baixo e necessitava de o colocar em alto volume. Ian Curtis gostou
imediatamente daquele baixo tão volumoso que marcaria para sempre o som
dos Joy Division. O baixo de Peter Hook passaria a ter uma alta
amplificação para sempre e tornou-se determinante em músicas como a que
levou os Joy Division pela primeira vez para um estúdio de televisão:
'Shadowplay'. O apresentador do programa era nada mais que Tony Wilson, o
homem que se tornou no seu editor através do selo da Factory.
She's Lost Control - do álbum de 1979, "Unknown Pleasures"
No seu trabalho diurno, Ian Curtis era assistente social de pessoas com
deficiências, na cidade da sua residência, em Macclesfield. Há um caso
que o perturba especialmente: uma mulher que procurava emprego mas que
sofria constantemente de convulsões epiléticas. A partir de certa
altura, Ian Curtis deixa de ver a mulher, presumindo que tivesse
encontrado emprego. Quando Ian Curtis descobre que a mulher tinha
morrido num desses ataques de epilepsia, fica tão perturbado que escreve
esta canção: 'She's Lost Control'. Isto foi ainda antes do próprio Ian
Curtis descobrir que tinha epilepsia.
'Transmission' - single de 1979
Ian Curtis e os seus companheiros dos Joy Division eram quatro típicos
jovens ingleses, que se divertiam, pregavam partidas uns aos outros e
confraternizavam nos pubs. Mas assim que a música arrancava, Ian Curtis
era possuído por uma estranha força enraivecida. Em palco, Ian Curtis
era uma fera acabada de sair da toca. Mesmo que fosse num estúdio de
televisivo da BBC como era o caso em baixo. Quando canta uma das músicas
mais populares dos Joy Division, 'Transmission', no programa "Something
Else", ele e a sua banda mostram ao público da BBC a sua indumentária,
aquela roupa que se vestia aos domingos - camisa, calças e sapatos
clássicos - que no caso do quarteto de Manchester era de um extremo bom
gosto.
'Isolation' - do álbum de 1980, "Closer"
O prenúncio do sucesso dos Joy Division em 1980 era ao mesmo tempo o
prenúncio do fim para Ian Curtis, o homem que não se conseguia imaginar a
viajar de avião com a banda para a América do Norte - e no entanto era
esse o plano a partir de maio. Os ataques epiléticos e a sua medicação
agressiva afundaram Ian Curtis numa perigosa depressão. O aviso do fim
pode ser lido nas letras do álbum final dos Joy Division, "Closer", em
temas como 'Isolation'. Sem fazer ideia do que estaria para acontecer, o
designer Peter Saville decidiu como capa a imagem de um túmulo. Quando
se soube do suicídio de Ian Curtis, já era tarde para se evitar a
impressão dessa capa. O álbum "Closer" já estava na fábrica, quase a ser
lançado.
'Atmosphere' - single de 1980
Ian Curtis parecia estar já a vislumbrar a eternidade quando olhava mais
a fundo para a máquina fotográfica que os colegas de banda. Os seus
olhos claros eram penetrantes nessa fotogenia transcendente que incluía
muitas vezes o ato de fumar um cigarro. Um dos fotógrafos que melhor
captou os Joy Division foi o holandês Anton Corbijn, que realizou o
videoclipe de 'Atmosphere', a grande marcha fúnebre dos Joy Division e,
no fundo o requiem de Ian Curtis. A música foi passada no funeral de Tony Wilson, o líder da editora Factory, que faleceu em 2007.
Dead Souls - lado B do single de 1980, 'Atmosphere'
Esta foi muitas vezes a canção de abertura dos concertos dos Joy
Division. A longa entrada instrumental permitia a Ian Curtis estudar a
audiência e os seus próprios movimentos. A sua dança era tão alienígena
que Ian Curtis parecia um fantasma a fintar o foco de luz sobre si.
Digital - primeiramente publicado numa compilação da Factory, “A Factory Sample”, de 1978, e mais tarde recuperado para a compilação de 1988, “Substance”
Genesis P-Orridge (dos Throbbing Gristle) terá sido a última pessoa com
quem Ian Curtis falou (ao telefone), nessa solitária noite de 17 para 18
de maio de 1980, em Macclesfield. "The Idiot" de Iggy Pop foi o último
disco que pôs a tocar. “Stroszek” de Werner Herzog foi o último filme
que viu. Duas antes semanas antes do enforcamento na cozinha, 'Digital'
foi a última canção que Curtis interpretou em palco naquele que viria a
ser o derradeiro concerto dos Joy Division, na Universidade de
Birmingham. Era uma das músicas mais emblemáticas da banda, com um dos
trabalhos mais engenhosos de sempre de Bernard Sumner na guitarra
elétrica.
'Love Will Tear Us Apart' - single de 1980
Ian Curtis vivia num dilema amoroso entre a mãe da sua filha e mulher,
Deborah Curtis, e a namorada belga Annick Honoré. Essa divisão entre
duas mulheres deu-lhe a inspiração súbita para a sua canção mais
célebre, a envolvente e eterna Love Will Tear Us Apart. Ian Curtis
estava a atingir a perfeição, como compositor e sobretudo como letrista.
O jovem cantor não era já só um letrista, era um poeta de corpo
inteiro. Na lápide do seu túmulo no cemitério de Macclesfield, está a
inscrição da data da sua morte e o título “Love Will Tear Us Apart”.
É a única música que tem Ian Curtis na guitarra, talvez por Bernard
Sumner estar comprometido com os sintetizadores. A assistir à gravação
da canção estava uma desconhecida banda irlandesa ainda sem álbum que
tentava ter Martin Hannett (o louco criativo dos efeitos sonoros dos
discos dos Joy Division) como produtor. Essa banda de garotos de Dublin
dava pelo nome de U2.
Ice Age - publicado na compilação de raridades de 1981, "Still"